Com pele pálida, olhos esbugalhados e um grande sorriso sinistro, o aterrorizante contato virtual fake "Momo" foi usado por criminosos para propagar um jogo viral perturbador e doentio pelas redes sociais que preocupou autoridades policiais e responsáveis em todo o planeta. Você ficou sabendo disso?
MOTHER BIRD
A escultura Mother Bird (Mãe Pássaro), que seria posteriormente transformada no perfil fake "Momo" por criminosos, foi baseada no conto de uma das variações da bakemono (criatura lendária sobrenatural do folclore japonês) Ubume e apareceu para o público pela primeira em 2016, durante a exibição intitulada "Yūrei Garō III" (ou Ghost Gallery III), da Vanilla Gallery, um renomado espaço arquitetônico em Ginza, luxuoso distrito de Tóquio, que é bastante conhecido por suas mostras com obras de arte fetichistas e underground. A Ghost Gallery III fez parte de uma exposição sobre diversos fantasmas japoneses e suas misteriosas histórias.
Esta versão da Ubume, usada pelo artista e empresário japonês Keisuke Aiso para criar a escultura, deriva de relatos presentes no 16º volume do livro "Miscellaneous Morsels from Youyang" da dinastia Tang (618 - 907), que integra o vol. 462 da coleção "Taiping Guangji" do período Song do Norte (960 - 1127), em qual esse yokai é chamado de "mulher do lazer noturno", um horrendo híbrido mulher-pássaro noturnal que usa um koshimaki manchado de sangue e que sequestra crianças, talvez pelo fato de ter morrido no parto e nunca ter realizado o sonho de conhecer o seu filho. E isso explica a obra-prima de Keisuke, uma justa homenagem a lenda da infeliz Mãe Pássaro.
O DESAFIO DA "MOMO"
De acordo com a Unidade de Investigação de Delitos Informáticos do Estado de Tabasco/México, "tudo começou [no início de 2018] em um grupo de Facebook onde os participantes eram desafiados a começar a se comunicar [via WhatsApp] com um número desconhecido [...] Vários usuários disseram que, se enviassem uma mensagem à 'Momo' do seu celular, a resposta vinha com imagens violentas e agressivas [incluindo estímulo ao suicídio e suspeita de roubo de dados]". Ainda de acordo com autoridades mexicanas, quem criou a conta da "Momo" pegou fotos uppadas no Instagram. E assim estava criado o que ficou conhecido como o "Desafio da Momo", uma lenda urbana fake baseada em ser amaldiçoado ao se contatar a "Momo" e que era "operada por crackers em busca de informações pessoais das vítimas para fins de extorsão e que, para isso, incitavam a violência, a autoagressão e o estresse", de acordo com investigação do Serviço Policial Craigavon da Irlanda do Norte (PSNI Craigavon).
Daí, o desafio viralizou do México para o restante do continente americano, ganhando a atenção pública após a YouTuber ReignBot, famosa por dialogar sobre assuntos estranhos e assustadores, noticiar o caso, explicando ainda que a conta da "Momo" estaria vinculada a pelo menos três números de telefone que começavam com 81, código do Japão, e dois latino-americanos, um da Colômbia (52) e outro do México (57). A coisa ficou mesmo tensa no final de 2018 quando versões do "Desafio da Momo" burlaram os filtros do YouTube Kids e passaram a estimular o suicídio de crianças em vídeos infantis tradicionais, como o da canção Baby Shark, da Peppa Pig e da massinha Slime. Contudo, a conscientização mundial sobre a gravidade do "Desafio da Momo" só veio acontecer no início de 2019 quando a PSNI Craigavon fez um alerta público no Facebook e após a personalidade estadunidense Kim Kardashian postar em seu Instagram uma espécie de ultimato exigindo que o YouTube removesse da plataforma todos os vídeos da "Momo". Apesar de não ter apresentado um padrão nos seus "desafios", este caso assemelha-se ao suicida "jogo da Baleia Azul" originado na Rússia em 2013.
A Vanilla Gallery, através do seu representante Yoko Taguchi em entrevista ao site The Sun em março/2019, comentou sobre este sinistro jogo viral: "Todo verão, realizamos uma exposição sobre histórias de fantasmas japoneses [...] normalmente, impedimos as pessoas de tirar fotos na galeria, mas, para esta exposição, a Mãe Pássaro foi colocada na entrada e permitimos que as pessoas posassem com ela [...] ficamos realmente chocados quando descobrimos que alguém havia tirado essa foto e a usado dessa maneira [...] depois que o caso cresceu, os artistas da galeria receberam ameaças de morte, e tudo foi muito perturbador". Ou seja, como se não bastasse todo o horror causado pela onda criminosa, se percebe também o absurdo que acontece quando pessoas desinformadas passam a atacar não aqueles que cometeram o ilícito, mas o folclore de um país e artistas que apenas estavam fazendo o seu trabalho.
Capa da exposição Ghost Gallery III. |
Ah! Conforme os comentários de Taguchi acima, ficou evidente que a Mother Bird possuía várias "irmãs" na noite do evento que originou todo esse fenômeno, e, se você quiser, poderá conhecer todas elas na Grudge Girls Collection da LINK FACTORY, empresa fundada por Keisuke Aiso.
O FILME DERIVADO
O artista Keisuke Aiso, em entrevista ao site The Sun em março/2019, revelou que se sentiu responsável pela "Momo" e pelo que ela causou, e tentou tranquilizar a todos explicando que, antes mesmo da imagem da sua Mother Bird ter sido sequestrada para o "Desafio da Momo", ele já havia destruído a escultura apodrecida pelo tempo, uma vez que tinha sido feita com borracha e óleos naturais. "As crianças podem ter certeza de que Momo está morta - ela não existe e a maldição se foi", reforçou Aiso.
Mas engana-se quem pensa que já está livre da horrenda expressão da Mãe Pássaro ou do bizarro assunto sobre o "Desafio da Momo", pois eles estão prestes a assombrar os cinemas. De acordo com o site Deadline, a Orion Pictures anunciou em julho/2019 que está em parceria com a dupla Roy Lee (Vertigo Entertainment) e a produtora Taka Ichise para desenvolver um filme de terror baseado na assustadora escultura. Para quem não sabe, Lee e Ichise foram responsáveis pelas aterrorizantes franquias O Grito (The Grudge) e O Chamado (The Ring). Outro filme que está a caminho é o Getaway, da Emagine Content e da November 11th Pictures, que tem o "Desafio da Momo" como inspiração e que será estrelado por Stef Beaton e Alex Brown.
Foto da escultura Mother Bird de Keisuke Aiso. |
CONCLUSÃO
Um dos grandes problemas atuais é que, enquanto a sociedade evolui, impulsionada pelo avanço tecnológico, o "freio de mão" dos responsáveis pela segurança parece seguir perdendo seu efeito como contrapartida, deixando crianças e até mesmo adultos desavisados à mercê dos criminosos de oportunidade. O caso da "Momo" pode estar adormecido, mas serviu de exemplo para mostrar o quão banalizada se encontra a internet e seus nichos sociais, uma verdadeira terra sem lei. O fato é que, passados três anos do surgimento do referido golpe, ninguém nunca chegou a ser identificado e preso. Vale salientar que, publicar ou compartilhar vídeos como o do "Desafio Momo" ou do "jogo da Baleia Azul", quando "dentro de um contexto de estímulo ao suicídio, em vez de um contexto de alerta", é crime de cyberbullying e sua pena pode chegar a 12 anos de prisão, conforme explicou o promotor Moacir Nascimento, do MP-BA, em entrevista ao site BBC News Brasil.
Também em entrevista ao site BBC New Brasil, Rodrigo Nejm, da ONG Safernet, alertou que os responsáveis devem tratar as crianças como crianças, pois "ter domínio do aparelho [celular] não significa ter maturidade para reconhecer situações de perigo". Ele também sugere que os pais consultem o canal de ajuda da referida ONG para obter informações sobre o que fazer em situações de violência online.
Sessão de fotografia com zomdead_art durante a Ghost Gallery III. |
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